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Só me resta agora 
Esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro.

 

Ouço agora o rumor 
Das raízes da noite, 
Também o das formigas 
Imensas, numerosas, 
Que estão, todas, corroendo 
As rosas e as espigas.

 

Sou um ramo seco 
Onde duas palavras 
Gorjeiam. Mais nada. 
E sei que já não ouves 
Estas vãs palavras.

 

Um universo espesso 
Dói em mim com raízes 
De tristeza e alegria. 
Mas só lhe vejo a face 
Da noite e a do dia.

 

Não te dei o desgosto 
De ter partido antes. 
Não te gelei o lábio 
Com o frio do meu rosto.

 

O destino foi sábio
Entre a dor de quem parte 
E a maior — de quem fica — 
Deu-me a que, por mais longa, 
Eu não quisera dar-te.

 

Que me importa saber 
Se por trás das estrelas 
haverá outros mundos 
Ou se cada uma delas 
É uma luz ou um charco?

 

O universo, em arco, 
Cintila, alto e complexo. 
E em meio disso tudo 
E de todos os sóis, 
Diurnos, ou noturnos, 
Só uma coisa existe.

 

É esta graça triste 
De te haver esperado 
Adormecer primeiro.

 

É uma lápide negra 
Sobre a qual, dia e noite, 
Brilha uma chama verde.

Cassiano Ricardo

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fotos e site por manoela rónai

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