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  • Foto do escritorManoela Rónai

5 cenas de amor em "ela"

Atualizado: 20 de abr. de 2018

05 cenas de amor no filme Ela (Spike Jonze):

espetáculo, liquidez, aparência e representação

Manoela Rónai e Humberto Amorim

Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação.

(DEBORD, 2003: 13).


Dirigido por Spike Jonze, estrelado por Joaquim Phoenix e vencedor de diversos prêmios de roteiro original (incluindo o Oscar de 2014), o filme americano Ela (Her, no original) retrata a história de um escritor de cartas que, após a separação, tem dificuldade de se desvincular de seu relacionamento anterior e/ou de estabelecer novos afetos na vida real.


Sua solidão e vazio sentimental são inicialmente resolvidos quando ele adquire um software que, na propaganda de venda, é descrito do seguinte modo: “o primeiro sistema operacional artificialmente inteligente. Uma entidade intuitiva que ouve você, entende você, conhece você. Não é só um sistema operacional, é uma consciência” (Excerto do filme Ela). O personagem acaba por se apaixonar pelo sistema (que o havia mapeado através da análise de todos os dados de sua vida virtual) e ambos estabelecem uma espécie de pseudo-relacionamento.


No filme, aliás, as relações amorosas que são vivenciadas podem ser classificadas em quatro níveis:

1) Entre homem e mulher, diretamente. Cena 01.

2) Entre homem e mulher, mediados pela máquina. Cena 02.

3) Entre homem e máquina, diretamente (e que também pode ser pensada em um tipo de relação homem x homem, já que aquilo que se projeta sobre a máquina nada mais é do que um espelho turvo de si mesmo). Cena 03.

4) Entre homem e máquina, mediados por uma mulher. Cena 04.


É possível sugerir que, em cada nível percorrido, as conexões estabelecidas se tornam cada vez mais superficiais, perpassando as camadas entre algo que é (“ser”), algo que se possui (“ter”) e algo que chega mesmo a se assumir como auto-enganação, fingimento, obnubilação (“aparentar”), criando uma espécie de “mundo à parte” gerido por um espetáculo de representação e distanciamento da vida denunciados por Guy Debord na seguinte passagem:

2. As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum, de forma que a unidade da vida não pode ser retabelecida. A realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do não-vivo. (DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, 2003: 13-14)


A “liquidez” do mundo moderno anunciada por Bauman também parece projetar-se sobre algumas questões suscitadas no filme, especialmente no que diz respeito à escolha de Theodore (o personagem central do filme) em estabelecer uma relação amorosa com Samantha (seu novo sistema operacional), decisão que pode ser vislumbrada a partir da conveniência, davelocidade/imediatismo proporcionados (ele pode se conectar a ela em qualquer hora e/ou circunstância) e da garantia contra as consequências eventuais provenientes das relações reais, estabelecidas entre pessoas (humanas).


Emily Dubberley, autora de Brief Encounters: The Women’s Guide to Casual Sex, [...] escrever que, em nossos dias, obter sexo ‘é como encomendar uma pizza... Agora você pode conectar-se à internet e encomendar genitália’. [...] Isso significa, porém, que acabaram todas aquelas coisas que costumavam fazer do encontro sexual um acontecimento tão estimulante, embora incerto, uma busca de aventura romântica, arriscada e cheia de armadilhas. Não há ganhos sem perdas. O sexo pela internet, entusiasticamente recebido por tanta gente, não é exceção a essa regra melancólica. Alguma coisa se perdeu – se bem que é comum ouvir muitos homens e quase igual número de mulheres dizerem que os ganhos valeram o sacrifício. Os ganhos são: conveniência – redução do esforço a um mínimo; velocidade – encurtamento da distância entre o desejo e sua satisfação; e garantia contra as consequências – que, como é próprio das consequências, nem sempre seguem o roteiro estabelecido e desejado. Consequências raramente são antecipadas, cobiçadas e bem-recebidas. Elas tanto podem se revelar desagradáveis e problemáticas quanto alegres e auspiciosamente agradáveis.


A publicidade de um website que vende sexo rápido e seguro (‘sexo sem compromisso’), e se vangloria de ter 2,5 milhões de assinantes, diz o seguinte: ‘Encontre parceiros sexuais de verdade esta noite mesmo’ (grifos meus) [...]: os produtos ambicionados estão prontos para o consumo instantâneo, imediato; o desejo e sua satisfação fazem parte do mesmo pacote; você é que manda, mensagem que soa doce e apaziguadora a ouvidos treinados por milhões de comerciais (cada um de nós é obrigado/manipulado a assistir a mais comerciais por ano que nossos avós durante a vida inteira). (BAUMAN, 44 cartas do mundo líquido moderno [Tópico 6 – Sexo Virtual])


No fim das contas, o próprio Theodore reconhece um estranhamento em tudo o que envolve a sua relação com a máquina, confessando: “Eu estou nessa porque não sou forte o bastante para ter um relacionamento de verdade”, assertiva que é confrontada pela amiga com a qual ele dialoga nesta passagem do filme: “Mas isso não é um relacionamento de verdade?”


Na prática, a relação só funciona enquanto a máquina preenche e reproduz – sem diferimento – os ideais românticos, desejos e caprichos do homem. A máquina é seu espelho. Se há uma tentativa de humaniza-la, as mesmas dificuldades das relações reais se imporão e o encanto se quebra (é o caso do exemplo 4, em que a máquina se corporifica na mulher que vai ao apartamento de Theodore para um encontro amoroso frustrado). A frustração diante da máquina-mulher idealizada se nota com profunda agudeza em um dos trechos finais do filme, quando o personagem se dá conta de que sua companheira conversava simultaneamente com mais 8.316 pessoas e estava apaixonada por outras 641. Cena 05: https://www.youtube.com/watch?v=jjFbOXdU2cM

Com isso, o filme parece nos recordar que, diante do amor, não há caminhos fáceis ou atalhos, ainda que aparentemente protegidos sob o manto de uma relação humanomaquínica. Quem ainda tem coragem para percorrê-lo, caminhe...

... e caminhe...

... e caminhe...       (mas sem esperar um pote de ouro atrás do arco-íris)

ANEXOS Sinopse dos exemplos:

Exemplo 1 - 27:27 a 29:04: homem e mulher. O jogo da vida real; Exemplo 2 - 4:13 a 6:48: homem e mulher mediados pela máquina. Sexo por telefone, fingimento; Exemplo 3 - 33:02/35:00 (cena do sexo) – “Os seus sentimentos são de verdade”.  “Você para mim é real, Samanta”. O homem transformado em máquina; o computador transformado em humano”. Não é mais a máquina como mediadora, mas a própria máquina como partícipe da relação. A conexão não é mais entre as pessoas mediadas pela máquina; a conexão é direta entre pessoa e máquina – Relação Humanimaquínica. Exemplo 4 - 1:01:40 a 1:02:59: a máquina utiliza uma mulher para se “corporificar”. Não é mais o ser humano manipulando a máquina, mas o contrário. Exemplo 5 – A decepção de Theodore com as relações múltiplas de Samantha. OUTRAS PASSAGENS INTRIGANTES DO FILME (tomando como base o tempo do seguinte link disponível no youtube): https://www.youtube.com/watch?v=2N6H9jFvMXY&t=21s 7:51 a 8:46/ou até 11:33 1º contato de Theodore com Samanta – falsa sensação de diálogo, compreensão e atendimento personalizado. Anulação do “tempo da demora”. Toda a relação entre ambos parte de uma análise quase imediata de todos os arquivos contidos no HD do computador. 20:10 a 21:49 – só querer a parte boa das relações offline: “eu a deixei sozinha na relação”. 24:30 a 25:35– “Eu não diria isso pra qualquer um, mas pra você eu posso dizer”. “Eu tô me tornando muito mais do que me programaram. E tô animada”. 49:22 a 51:34 – o processo de homogeneização da relação com a máquina. Amy, a amiga, também relata a experiência de ter feito “uma amiga nova”, um sistema operacional, após a separação.  “Ela não vê as coisas com extremos, de verdade, ela vê as nuances, está me ajudando a explorar isso e ficamos amigas muito depressa. Primeiramente, achei que ela fosse programada para isso, mas não parece o caso”. Sensação de individuação que, na verdade, revela como o processo das emoções vai sendo experienciado pelo mesmo filtro, na mesma chave. 55:13 a 57:00 – não saber/ querer lidar com os problemas da vida real. O outro como ser idealizado, não diferente, amortecido, etc. 1:32:54 a 1:34:00 – O Fora da Máquina. “é um lugar que não pertence ao mundo físico [...]Por mais que eu queira, não posso mais viver no seu livro”. “Nunca amei ninguém como eu amo você”.


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